Fogo
Eu vejo amores que já nascem moribundos, laços que
se soltam quanto é executada a última canção e paixões que duram até que
a brasa do cigarro alcance o filtro. Eu vejo reflexos de uma geração
perdida que, em relação ao amor, muito se fala sobre o substantivo, mas
pouco se faz pelo verbo. Nas garrafas, os líquidos estão pela metade.
Coincidência, meu coração também.
No pulso, ouro; no abraço, couro; cigarro nas mãos.
As luzes estão piscando, os olhos procurando, a boca esperando. Aqui
não há vítimas unilaterais, nem vilões: todos fazem os dois papeis. A
caça e o caçador vivem em harmonia. Aprenderam: por aqui, não há quem
ganhe com imposição; ganha-se negociando.
A cabeça está confusa, não pela baunilha, mas por
não saber o que quer. Em meio a dezenas de corações, de histórias e
motivos diferentes que os levaram ali, você só tem o seu. Sorrisos,
novamente, escondem a verdade.
Levanta-se com o copo, tira do bolso o isqueiro e o
cigarro, o som da banda distancia, enfraquece. Até que é quebrado por
uma pergunta:
_ Você tem isqueiro?
Na verdade, muitas vezes o isqueiro é apenas o
álibi de uma armadilha que a presa, dessa vez caçador, faz à outra.
Seria mais fácil se, ao invés de pedirmos o isqueiro, pedíssemos um
pouco de amor e fossemos atendidos. Mas não. A presa à sua frente,
vulnerável. Ame-a, complete-se, complete-a…
_ Tenho.
Tantas coisas a serem ditas, gestos a serem feitos,
tantos sorrisos. Apenas emprestou. A presa acendeu sua arma
autodestrutiva e se foi. Talvez ela só quisesse o isqueiro, talvez não.
Quando irás descobrir? Quando aprender a negociar o fogo.
Alguém disposto a acender meu cigarro?
Muito bom o texto Abel. Compartilho da visão do imediatismo da atualidade, principalmente no quesito: amor.
ResponderExcluir-
Como vai você, meu caro?
Abraço.
Lua Durand