sábado, 31 de dezembro de 2011

Eu Sou a Lenda, Part V

Como se fosse a mão de alguma outra pessoa, ele viu seu punho esbranquiçado se levantar devagar, vacilante, para socar sua perna. A dor o fez aspirar uma lufada do ar rançoso da casa. Alho. Por toda parte havia o cheiro de alho. Em suas roupas e nos móveis e em sua comida e até mesmo em sua bebida. Beba um drinque de alho com soda; sua mente recitou rapidamente a tentativa de piada.
Ele se levantou num pulo e começou a andar de um lado para o outro. O que vou fazer agora? Cumprir novamente a rotina? Vou lhes poupar desse trabalho. Ler-beber-isolar acusticamente a casa - as mulheres. As mulheres, mulheres lascivas, sedentas de sangue, nuas, exibindo para ele seus corpos quentes. Não, quentes não.
Um gemido horripilante subiu-lhe pelo peito e pela garganta. Malditas sejam elas, o que estavam esperando? Pensavam que ele iria sair e se entregar?
Talvez eu me entregue, talvez eu me entregue. De fato, viu-se arrancando a barra horizontal da porta. Estou indo, garotas, estou indo. Podem molhar os lábios.
Lá fora, elas ouviram a barra sendo levantada, e um uivo de expectativa ecoou na noite.
Virando as costas, ele esmurrou a parede com um punho, depois com o outro, até arrebentar o gesso e rasgar a pele. Depois ficou ali em pé, tremendo, sem ação, batendo os dentes.
Depois de algum tempo, passou. Ele tornou a pôr a barra atravessada na porta e foi para o quarto. Desabou na cama e deitou a cabeça no travesseiro com um gemido. Sua mão esquerda pulsou uma vez, débil, sobre a colcha.
Ah, Deus, pensou, quanto tempo, quanto tempo?
O alarme nunca tocou porque ele havia se esquecido de acertá-lo. Dormiu profundamente e sem se mover, como se seu corpo fosse forjado em ferro. Quando finalmente abriu os olhos, eram dez da manhã.
Com murmúrios repugnados, forçou-se a levantar e passou as pernas pela lateral da cama. Imediatamente sua cabeça começou a latejar como se o cérebro estivesse tentando sair através do crânio. Que bom, pensou, ressaca. Só faltava essa.
Levantou-se penosamente com um gemido e cambaleou até o banheiro, jogou água no rosto e molhou um pouco a cabeça. No espelho seu rosto estava emaciado, barbado e muito parecido com o de um homem na faixa dos 40 anos. Amor, seu feitiço mágico está por toda parte; vazia, as palavras se agitavam sem seu cérebro como lençóis ao vento.
Andou devagar até a sala de estar e abriu a porta da frente. Uma praga escapou arrastada de seus lábios ao ver a mulher caída na calçada. Ele começou a se retesar com raiva, mas aquilo fez sua cabeça latejar demais e ele teve que desistir. Estou doente, pensou.


To be continued ...

Capítulos Anteriores:
Eu sou a lenda, Part. I.
Eu sou a lenda, Part. II.
Eu sou a lenda, Part. III.
Eu sou a lenda, Part. IV.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Sobre mim


Contemplo meu reflexo no espelho e a verdade me é revelada
minha alma sombria e turva se encontra totalmente estagnada
Sinto o vazio em meu peito sugando toda a esperança, da mesma forma que um buraco negro absorve as estrelas
vejo Ela caminhando em uma direção oposta a minha e sinto a certeza de que nunca irei tê-la

Meu espírito se encontra em fragmentos irreconhecíveis
como se todas as dores da galáxia habitassem em mim neste momento, aumentando a minha convicção de que os deuses são insensíveis
O medo e o desespero ficam gravados em minha face
quando percebo que a única coisa que posso fazer é orar aos céus para que todo este sofrimento logo passe

Os pecados por mim cometidos insistem em me assombrar
apeguei-me tanto as trevas que Deus levaria uma eternidade somente para me encontrar
Com os punhos fechados, quebro o espelho em minha frente
é extremamente doloroso confrontar meu reflexo e saber que me tornei tão indiferente

Com lágrimas nos olhos, aceito o destino que por mim mesmo foi imposto
que o meu primeiro dia no inferno dure mil anos, e que seja o mais curto de todos.