sábado, 12 de novembro de 2011

Eu sou a lenda, part III

Ficou sentado fitando o mural com olhos mortos enquanto "A era da ansiedade" pulsava em seus ouvidos. Era de ansiedade, refletiu. Lenny, rapaz, você pensava que tinha ansiedade. Lenny e Benny; vocês dois deveriam se conhecer. Compositor, apresento-lhe o cadáver. Mamãe, quando eu crescer, quero ser um vampiro como papai. Ora, meu amor, Deus o abençoe, é claro que vai ser.
O uísque caiu dentro do copo gorgolejando. Ele fez uma leve careta ao sentir a dor na mão e passou a garrafa para a mão esquerda.
Sentou-se e tomou um gole. Que o fio dentado da sobriedade seja agora embotado, pensou. Que o equilíbrio precário da visão límpida seja destruído, mas depressa. Eu os odeio.
Gradualmente a sala rodou em seu centro giroscópico e começou a trançar e ondular em volta de sua cadeira. Uma névoa agradável, difusa nas extremidades, substituiu-lhe a visão. Ele olhou para o copo, para o toca-discos. Deixou a cabeça cair de um lado para o outro. Lá fora, eles rondavam e resmungavam e esperavam.
Pobres vampiros, pensou, pobrezinhos amaldiçoados, rodeando minha casa cm passos silenciosos, tão sedentosa, tão completamente perdidos.
Uma idéia. Ele levantou um dos indicadores que vacilou diante de seus olhos.
Amigo, aqui estou diante de vocês para falar sobre o vampiro; um elemento minoritário, se é que isso existe, e existia.
Mas sejamos concisos: vou esboçar as bases da minha tese, que é a seguinte: Vampiros são vítimas de preconceito.
O princípio central do preconceito contra minorias é o seguinte: eles são detestados porque são temidos. Assim ...
Serviu-se de um drinque. Um drinque longo.
Houve uma época, a Idade das Trevas e a Idade Média, para ser sucinto, em que o poder do vampiro era grande, o medo que inspirava, tremendo. Ele era um anátema e continua a ser um anátema. A sociedade tem por ele um ódio sem limites.
Mas suas necessidades são mais chocantes do que as necessidades de outros animais e homens? Suas ações são mais ultrajantes do que as ações do pai que tornou a vida do filho miserável? O vampiro pode suscitar batimentos cardíacos acelerados e pêlos arrepiados. Mas é pior do que o pai que deu à sociedade um filho neurótico que virou político? Pior do que o fabricante que construiu bases atrasadas com o dinheiro ganho entregando bombas e armas a nacionalistas suicidas? Pior do que o destilador que produziu sucos de cereais adulterado para bestificar ainda mais o cérebro daqueles que, sóbrios, eram incapazes de ter um pensamento progressista? (Não, peço desculpas por essa calúnia; tomo um gole da bebida que me alimenta.) Ele então é pior do que o editor que encheu estantes onipresentes de luxúria e desejos de morte? Francamente, vamos, vasculhe sua alma, meu amor - o vampiro é mesmo tão ruim assim?
Tudo o que ele faz é beber sangue.


To be continued ...

Capítulos Anteriores:
Eu sou a lenda, Part. I.
Eu sou a lenda, Part. II.

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