Carta de amor, em rascunho
Fechei os olhos por um instante e sem querer, dormi profundamente.
Dormi desejoso de amores que nunca tive, ou que tive e os perdi um dia
para esta vida maliciosa e insidiosa. Mas o sono que me furtou a
consciência me deu sonhos e nos sonhos, podemos ser super-heróis,
podemos ser lacaios e senhores, os maiores vilões que ousamos ser. Ela
sorriu para mim, neste sonho. Não um sorriso desses de repentes, que
nascem da exigência da educação, da necessidade social. Foi um sorriso
de alegria, desses que brotam da alma e desabrocham nos lábios como se
rosas fossem. Todo seu rosto iluminou-se, toda a minha face refletiu
este brilho único e sublime. Ela correu para mim, e abri os meus braços e
a recebi com todo o carinho que pode haver neste mundo. Seus lábios
encontraram-se com os meus, nossas faces roçaram-se, meu corpo todo se
arrepiou com a temperatura dela, com o cheiro dela, com o frescor
daquela juventude que se entregava para mim, sem maiores contemplações
ou exigências.
Falamos de coisas juvenis, de pequenas coisas que se tornam grandes
para os amantes. Olhamos para o mundo todo e ele cabia inteirinho dentro
de nosso quarto. Abrimos a janela e a noite estava linda, mais negra,
com mais estrelas, mais fresca e a lua nos sorria mais límpida e
cristalina do que nunca esteve antes. A lua é mais do que uma testemunha
para os que se amam, ela é uma companheira inseparável. Tomamos água
fresca no mesmo copo e rimos de nossas bocas molhadas desajeitadamente.
Comemos uma comida qualquer, e ela estava deliciosa. Lavamos os pratos
juntos. Ouvimos música, música romântica e dançamos nos salões da
madrugada, vestidos de nudez, o black-tie dos amantes. Dormimos, sendo o
meu ventre repouso tranqüilo para o seu sossego apaixonado. A brisa
fresca da madrugada tocou nossas peles como se fosse o mais nobre dos
cetins. Amanheceu e um canto de pássaro nos acordou. Fizemos amor antes
mesmo de desejarmos bom dia um ao outro. O jardim exalava eflúvios de
rosas e acariciava docemente nosso olfato. O amor me faz melhor do que
realmente sou, me faz parecer gigante enquanto sou pequeno; me faz
parecer lindo, dentro de uma crosta de feiúra; me faz parecer sábio, em
meio a um tonel de ignorância; me traz paz, em um cotidiano em guerra.
Só posso ser o que sou, o que desejo ser, com este amor que me alimenta,
que me faz forte, que me dá energia. Não sou inteiro, sou somente a
metade de um ser que se completa no corpo dela, com ela, somando-se a
ela, misturado a ela e desse emaranhado de dois, surgindo um único forte
e maravilhoso ser.
Quiçá que eu fosse Dante que foi alcançar sua amada no céu, ou Orfeu
que ainda que falhasse em sua missão de buscar sua amada no inferno,
ainda a pode vê-la uma ultima vez. Mas não sou eles, sou apenas um
mortal entristecido que fechou os olhos para o mundo e busca os
sonhos... pois é lá, em meus sonhos, que minha amada está... e onde
posso ser completo novamente, onde posso ser eu novamente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Se você conseguiu chegar até aqui, é porque teve paciência suficiente para agüentar minhas insanidades. Prometo agüentar as suas também... vai! Me diz aí o que você pensa.